“A Boa Saúde adiciona vida aos anos”, é o
que diz a campanha promovida pela Orga-
nização Mundial da Saúde (OMS) que se
tornou o lema da qualidade do envelheci-
mentoemtodoomundo. Pode parecer ób-
vio, mas o entendimento dos especialistas
durante o 25º Congresso Nacional das San-
tas Casas e Hospitais Filantrópicos é de que
nem governos, nem a sociedade civil estão
preparados para lidar com a conquista so-
cial que é a possibilidade de adicionar anos
à vida dos indivíduos.
OBrasil éumdos países domundoque
se destacampela velocidade comque o ín-
dice de envelhecimento (IE) vem aumen-
tando. Este indicador considera a quantida-
de pessoas commais de 60 anos relativa a
cada grupo de 100 jovens com menos de
15. Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística), na década de 1970
o IE do Brasil era de 12,18. Em 2010, o úl-
timo censo realizado no país revela um IE
de 44,8 – o que representa um crescimen-
to de 268%.
Considerar essenúmeronaelaboração
das políticas públicas é importantíssimo e
não apenas nos aspectos ligados à saúde.
A médica sanitarista e professora da USP,
Marília Louvison, é pesquisadora na área
de políticas públicas de saúde e envelheci-
mento e aponta que esse número impacta
enormemente em todos os setores. “OBra-
sil caminhaapassos largos para ser umpaís
idoso,mas oEstadonãoestápreparadopa-
ra isso. O paradigma da nossa sociedade é
de um indivíduo jovem, mas essa situação
jámudoumuito”, levanta a pesquisadora.
A professora Louvison explica que as
políticas para idosos costumam ser adia-
das, também, por serem muito caras e o
são, dentre outras coisas, porque são feitas
de forma setorizada e desintegrada. “Tive a
oportunidade de me reunir com várias se-
cretarias em um município para uma con-
versa e elas se surpreendiam ao descobrir
que outras pastas realizavam o mesmo ti-
po de trabalho que o seu, nos mesmos lu-
gares”, relata a professora para demons-
trar como a otimização pode tanto viabili-
zar financeiramenteas ações quantoarticu-
lar melhor as propostas dos governos com
aquelas jápraticadas pela sociedade, como
no caso dos hospitais filantrópicos.
A médica sanitarista atesta que não
são os serviços de saúde os principais res-
ponsáveis por vivermos bem, mas a qua-
lidade do meio ambiente natural, da vida
urbana, o tratamento dado ao lixo, o po-
tencial de mobilidade das pessoas – que
representa um direito e uma necessidade
fundamental dos indivíduos, bem como a
disponibilidade de espaço público e a ofer-
ta de atividades culturais. “Se a gente tem
tudo isso, agente vivebeme, por isso, enve-
lhece bem”, sentencia ela.
Mas, em geral, quando se pensa em
envelhecimento, o investimento vai todo
para o hospital e o tratamento médico,
quando este deveria ser um dos pontos de
apoio de toda uma rede de cuidados. A re-
flexão que se faz agora é sobre qual o lu-
gar do hospital nessa nova lógica multidis-
ciplinar e de cuidado distribuído. “Se a saú-
de do idoso mantiver a mesma lógica de
incorporação tecnológica que temos tido
com as crianças e adultos, não vai ter orça-
mento que consiga dar conta desse custo”,
afirma amédica.
Nesse conjunto que se coloca à dispo-
sição para cuidar do envelhecimento estão
XI CONGRESSO
INTERNACIONAL
DAS MISERICÓRDIAS
O
25 CONGRESSO
NACIONAL DAS SANTAS CASAS
E HOSPITAIS FILANTRÓPICOS
S
ANTA
S
E S P E C I A L
CASAS
8
Envelhecimento da população
é discutido em congresso
SALVADOR,BAHIA,
domingo
,27/09/2015
Em todo o mundo, o envelhecimento e a
necessidade de convivência com doenças
crônicas e de evolução prolongada têm
aumentado como uma tendência forte do
ponto de vista demográfico e epidemio-
lógico. O elevado grau de incapacidade
dessas enfermidades, somado à diminui-
ção da possibilidade das famílias de assu-
mir os cuidados permanentes necessários,
criou novas necessidades organizacionais
no serviço de saúde que vão além das di-
nâmicas habituais das redes hospitalares e
da atenção básica à saúde.
É nesse tipo de cenário que os países
europeus, cuja população vive o processo
de envelhecimento há mais tempo que o
Brasil, desenvolveram o modelo de cuida-
dos continuados. O mecanismo propõe
um modelo de intervenção multidiscipli-
nar para o cuidado ao idoso e da pessoa
com dependência funcional, fomentando
a integração das áreas de Saúde e social.
Na prática, pacientes que não precisam fi-
car internados, mas que precisam de uma
atenção constante têm à disposição uma
rede específica que atua de forma conjun-
ta com as redes hospitalar e de atenção
básica.
“No Brasil, temos algumas experiên-
cias que começamos a implantar de ser-
viços funcionando em rede, seguindo esse
modelo”, revela o Dr. Paulo Carrara de Cas-
tro, chefe do Departamento de Medicina
Social da Faculdade de Ciências Médicas
da Santa Casa de São Paulo, um dos pa-
lestrantes sobre o tema durante o 25º Con-
gresso Brasileiro de Santas Casas e Hospi-
tais Filantrópicos. Omédico nos conta que
os projetos em andamento estão sendo
desenvolvidos nas cidades de Franca (SP),
Campo Grande (MS) e Pirati (PR).
As três experiências foram implanta-
das junto com o Ministério da Saúde e o
Programa de Apoio ao Desenvolvimento
do SUS (PROAD) que os hospitais de exce-
lência financiam. O Dr. Carrara conta que
o projeto será expandido para o Rio Gran-
de do Sul, Minas Gerais e Bahia, mas que
odesejoéqueele se torneumapolíticapú-
blica o mais breve possível, tal qual na Eu-
ropa. “Já temos este problema e precisa-
mos começar a desenvolver esse modelo
agora, para adquirir a tecnologia e
exper-
tise
suficientes e poder expandi-lo a tem-
po de atender a população necessitada”,
considera ele.
A ideia é conseguir mostrar nessas
experiências a necessidade de articula-
ção entre as áreas de Assistência Social e
de Saúde e o espaço a ser ocupado pelos
Cuidados continuados propõem intervenção
multidisciplinar para o cuidado ao idoso
as Santas Casas, que têmavançado na pre-
venção e nos cuidados paliativos, como os
leitos não clínicos e tratamentos menos in-
tensivos. A visão é de que essa atençãoà re-
abilitação reduza a fragilidade e o nível de
dependência desse idoso e que permita
que ele seja transferido para outro tipo de
leito de custo mais baixo, commais equipe
multiprofissional e menos tecnologia mé-
dica.
O processo é longo e carece urgente-
mente da formação de profissionais com
essa visão, que saibam lidar com o corpo e
a saúde do idoso. Não existe equipe forma-
da para isso hoje e as poucas experiências
em curso são ainda muito pontuais. Marí-
lia Louvison sugere como ação eficaz nes-
se sentido a criação de “Centros Dia” para o
idoso, umespaço de convívio onde eles po-
dem passar o dia, receber estímulos e cui-
dadosespeciaissemprecisaremserinterna-
dos e sem impedir as suas famílias de viver.
A participação social deve se dar tam-
bém segundo valores como o afeto e a so-
lidariedade, conforme defende a especia-
lista. “Se temos um vizinho idoso, não cus-
ta perguntar se quer que a gente compre
algo para ele na feira, oferecer-lhe um li-
vro emprestado ou a companhia para um
passeio”, sugere. “Se observarmos bem,
as crianças estão na escola, os adultos es-
tão no trabalho e onde ficam os idosos?
Nós precisamos incluí-los para que conti-
nuem vivendo com qualidade e, principal-
mente, com dignidade”, enseja a pesqui-
sadora.
Marília Louvison,
médica sanitarista e professora da USP
Antoni Maria Cervera,
diretor de atenção sociossanitária do
Consórcio Parque de Saúde Del Mar, de
Barcelona, na Espanha
“OBrasil caminha a
passos largos para
ser umpaís idoso,
mas o Estado não
está preparado pra
isso”
“Há territórios e
regiões que estão
mais desenvolvidos
que outros, mas, em
geral, em todo o país
já se introduziu essa
cultura dos cuidados
continuados, e
os recursos vão
crescendo dentro
das possibilidades de
cada território”
Marília Louvison, ao centro, pesquisadora na área de políticas públicas de saúde e envelhecimento, esteve entre os participantes do congresso
cuidados continuados para que isso possa,
de fato, se transformar empolítica pública.
Para omédico, as Santas Casas e os Hospi-
tais Filantrópicos têm um papel importan-
te na criação dessa rede de cuidados con-
tinuados no Brasil. “Essa é uma rede que
emtememsuas origens uma visão socios-
sanitária, que desde sempre aliou assistên-
cia social articulada com a assistência de
saúde, como preconizam os cuidados con-
tinuados”, avalia.
Antoni Maria Cervera, diretor de aten-
ção sociossanitária do Consórcio Parque
de Saúde Del Mar, de Barcelona, na Es-
panha, conta que hoje, após quase trinta
anos de experiência com os cuidados con-
tinuados, a convivência e o uso do sistema
são completamente naturalizados no pa-
ís e que a cultura de saúde mudou muito
na Espanha com esse modelo. “Há territó-
rios e regiões que estão mais desenvolvi-
dos que outros, mas, em geral, em todo o
país já se introduziu essa cultura dos cuida-
dos continuados, eos recursos vão crescen-
do dentro das possibilidades de cada terri-
tório”, afirma.
Cervera atenta que é preciso criar
adaptações às diversas realidades brasilei-
ras, mas que é importante manter o seu
funcionamento como umsuporte aos hos-
pitais de tratamentos mais intensivos e da
atenção básica e em complemento da re-
de de assistência social. “O maior desafio
que temos é o de não converter a rede de
cuidados emuma estrutura amais, como
risco de enfraquecer a dinâmica do traba-
lho conjunto”, avalia.
Em Portugal, onde os cuidados con-
tinuados completam agora nove anos de
funcionamento, a rede já está madura,
mas ainda precisa melhorar os resultados,
na avaliação de Maria Inês Guerreiro, res-
ponsável pela criação da Rede Nacional de
Cuidados Continuados e Paliativos no país.
“Os resultados são muito bons, os ganhos
em saúde são muito bons, a satisfação é
altíssima, os profissionais estão muito re-
compensados, mas ainda são poucas as
respostas para o que queremos, sobretu-
do porque são poucas as respostas no do-
micílio”, analisa.
Para ela, seja em Portugal ou no Bra-
sil, a criaçãodeumanova culturapassape-
la formação profissional. “É cada vez mais
importante que as equipes de saúde este-
jam integradas no planejamento de como
atingir um paciente, com médicos, enfer-
meiros, nutricionistas, fisioterapeutas, as-
sistentes sociais, psicólogos e agentes de
saúde atuando em conjunto”, defende.
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