XI CONGRESSO
INTERNACIONAL
DAS MISERICÓRDIAS
O
25 CONGRESSO
NACIONAL DAS SANTAS CASAS
E HOSPITAIS FILANTRÓPICOS
S
ANTA
S
E S P E C I A L
CASAS
7
SALVADOR,BAHIA,
domingo
,27/09/2015
Judicialização impacta
o setor filantrópico
A Constituição Federal de 1988 diz, na
abertura do Artigo 196, que “A saúde é
um direito de todos e um dever do Esta-
do”, expressando o compromisso do Es-
tado de garantir a todos os cidadãos o
pleno direito à saúde e ao acesso uni-
versal e igualitário às ações e serviços
para a sua promoção, proteção e recu-
peração. No entanto, o Estado tem si-
do falho no cumprimento de seu dever,
abrindo brechas para que a população
se valha do Poder Judiciário para garan-
tir a prestação dos serviços, no Brasil ou
no exterior. É a chamada Judicialização
da Saúde, com o Poder Judiciário obri-
gando o Estado a cumprir o dever que a
Constituição lhe impõe, garantindo, as-
sim, o exercício do direito à Saúde. Da-
dos do Ministério da Saúde demons-
tram que os custos com a judicialização
aumentam ano a ano e, somente em
2014, os gastos da União com ações ju-
diciais superaram R$ 843 milhões. Di-
nheiro que deixou de ser aplicado no
Sistema Único da Saúde para atender
às demandas de pessoas que foram à
justiça para defender seus direitos.
A grave crise que afeta os hospitais
públicos e filantrópicos, a falta de recur-
sos ofertados pelo Governo Federal, as
reclamações cada vez mais intensas por
parte da população contra a má quali-
dade dos serviços prestados pelo Siste-
ma Único da Saúde (SUS) têm desper-
tado grandes debates sobre o tema, es-
pecialmente quanto à legitimidade do
Poder Judiciário em interferir nas políti-
cas públicas de saúde, obrigando o Po-
der Público a arcar com tratamentos
ou medicamentos de determinado ci-
dadão que busca o meio judicial para
ver suas necessidades atendidas, mes-
mo que essas necessidades estejam fo-
ra dos protocolos do SUS.
Edson Rogatti, presidente da Con-
federação das Santas Casas de e Hos-
pitais Filantrópicos, que enfrentam a
maior crise financeira da história, é vis-
ceralmente contra a utilização de limi-
nares por via judiciária com o intuito de
obrigar o Estado, e mesmo as opera-
doras de Saúde, a custear tratamentos
de saúde no exterior e mesmo no Bra-
sil, fora de seu domicílio. “Respeito o di-
reito de todos de lutar pela sua vida e
dos seus, mas não posso concordar que
aqueles que têm conhecimento, que
podem pagar um bom plano de saúde
e têm condições de contratar um advo-
gado sejam favorecidos em detrimento
daqueles mais pobres e menos esclare-
cidos, que dependem do Serviço Único
da Saúde. Eu estou falando de 150 mi-
lhões de pessoas atendidas pelo SUS e
pelas filantrópicas que não têm acesso
a um advogado, a um juiz. Nossa consti-
tuição diz que o direito de todos à saúde
é universal, integral e gratuito. Então, o
que é bom deve ser oferecido a todos”,
enfatiza Rogatti.
Em tom mais conciliador, o médi-
co José Carlos de Souza Abrahão, que é
presidente da Agência Nacional de Saú-
de Suplementar (ANS), defende o uso
de liminares por parte dos consumido-
res, como forma de preservar seus di-
reitos. Mas faz uma ressalva: antes de
apelar para o Judiciário, os consumido-
res devem esgotar todas as possibilida-
des de negociação junto às operadoras,
aos prestadores dos serviços e mesmo à
ANS, visando chegar a um acordo que
favoreça todas as partes envolvidas.
“Diz-se, e é correto, que a saúde não
tem preço, mas a Medicina tem custos,
altos custos. E como os recursos são fini-
tos, em contraponto às necessidades de
cada um que são infinitas, eu prego o
diálogo em todas as instâncias, a partir
da relação médico x paciente, na bus-
ca de soluções satisfatórias. O consu-
midor está cada vez mais esclarecido e
consciente de seus direitos e a esse con-
sumidor oferecemos, na ANS, uma fer-
ramenta de gestão extremamente útil
que afere a qualidade de gestão das
operadoras, bem como orienta qual o
melhor caminho a ser seguido pelos
beneficiários dos Planos de Saúde pa-
ra resolver suas pendências sem a ne-
cessidade de apelar para o judiciário.
Trata-se do nosso Programa de Inter-
mediação de Problemas (NIT), em ple-
no funcionamento e que tem resolvi-
do, amigavelmente, quatro de cada cin-
co notificações recebidas. Logo, deseja-
mos resolver 100% das pendências”, es-
clarece Abrahão.
O diálogo e a parceria com os Tri-
bunais de Justiça de todos os Estados
também são absolutamente essenciais,
na opinião do presidente da ANS, para
Segundo os dados do Censo 2010, realiza-
do pelo Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), as pessoas comdeficiên-
cia correspondem a 23,9% da população
do Brasil. É nesse contingente populacio-
nal e em todos os interessados nas ques-
tões de direitos humanos que se vive a
maior expectativa pela entrada em vigor
da Lei 13.146/ 2015 – também conhecida
como Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa
com Deficiência e Estatuto da Pessoa com
Deficiência.
Para a procuradora do Trabalho Flá-
via Vilas Boas, coordenadora de Promo-
ção da Igualdade de Oportunidades no
Trabalho do Ministério Público do Traba-
lho na Bahia, a nova lei muda muita coisa
conceitualmente. “Ela, de fato, traz algu-
mas soluções paras as empresas, como a
possibilidade de que a habilitação seja fei-
ta na própria organização e para que haja
umnovo conceito de pessoa comdeficiên-
cia, que coloca a deficiência nas barreiras
e não no indivíduo”.
“As pessoas com deficiência são mui-
to capazes e, comoqualquer outrapessoa,
dependem dos estímulos que venham a
receber para desenvolver suas potencia-
lidades e talentos. Todos nós somos ca-
pazes para algumas coisas e para outras
não”, lembra a procuradora.
Mas para essa inclusão ser completa,
o desafio ainda é grande e as principais
barreiras são, de um lado, o preconceito
e, de outro, a baixa escolarização da Pes-
soa com Deficiência no Brasil. Durante a
palestra que discutiu o assunto dentro do
25º Congresso das Santas Casas, no últi-
modia24, emSalvador, esse entendimen-
to era unânime.
Flaviano Feu Ventorim, diretor-execu-
tivo do Grupo Hospital Nossa Senhora das
Graças, que atua na Região Sul do país,
acredita que se conseguirmos melhorar a
formação técnica e a inclusão educacional
em geral para esse perfil de população, o
resto começará a ficar mais fácil e as em-
presas vão conseguir se adaptar e adaptar
o portador de deficiência mais rápido ao
mundo do trabalho. “A partir do momen-
to que essa pessoa deficiente vemcomfor-
mação, até o preconceito vai ser mais fácil
de ser ultrapassado”, considera.
Ventorim defende que os hospitais fi-
lantrópicos e as Santas Casas têm um pa-
pel fundamental no trabalho de reabilita-
ção das pessoas comdeficiência, mas pre-
cisam assumir com mais vigor a sua posi-
ção de formadores profissionais. “Os hos-
pitais precisam abrir campo de estágio
para ajudar a qualificar esse quadro pro-
fissional. No momento em que isso acon-
tecer, será a oportunidade dessas pessoas
conseguiremopreparomais especializado
Inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho
mitigar conflitos e reduzir, drasticamen-
te, as concessões de tratamento via li-
minares.
PLANTÃO MÉDICO -
Na Bahia, o pró-
prio Tribunal de Justiça tomou a inicia-
tiva de negociar com os consumidores,
médicos e com as operadoras de Saú-
de. Para evitar que os juízes tomem po-
sições equivocadas nos julgamentos
das sentenças envolvendo os planos de
saúde, com base nas petições dos ad-
vogados dos consumidores, o Tribunal
criou o Plantão Médico, serviço pionei-
ro no Brasil, que funciona 24 horas por
dia, sete dias por semana.
Consultar as entidades do setor, co-
mo a ANS, a ANVISA, os Conselhos Fe-
derais de Medicina e de Odontologia,
consultar médicos e farmacêuticos e
para garantirem o seu espaço no merca-
do”, avalia.
O ex-senador da República e professor
da Universidade Federal do Paraná, Flávio
Arns é também presidente da Federação
das APAEs daquele Estadoe entende queo
Ministério da Educação precisa ter umpro-
grama amplo que cuide de maneira am-
pla da escolarização da pessoa com defi-
ciência, mas que o problema é mais pro-
fundo e perpassa o desenvolvimento e a
universalização na sociedade brasileira do
conceito de cidadania. “A necessidade das
pessoas com deficiência só é mais urgen-
te porque elas já estão à margem da so-
ciedade e precisam ser incluídas”, afirma.
Arns reforça a ideia de que qualquer
solução para garantir que essa pessoa
possa fazer tudo sema ajuda de ninguém,
como acontece em alguns países, só vai
acontecer com o envolvimento de diver-
sos setores e de toda a sociedade. “A cida-
de e o país precisam se entender com de-
ficiência, na necessidade de lidar com isso
no seu dia a dia”, argumenta. Para ele, é
preciso ter legislação, como já temos, mas
é preciso que a política pública para a in-
clusãodapessoa comdeficiência estejano
orçamento público para que seja assegu-
rada, senão vira demagogia.
Lei de Cotas
- A procuradora do trabalho
Flávia Vilas Boas lembra que a Lei 8.213/ 91,
conhecida como Lei de Cotas, em seu artigo
93, estabelece o espaço a ser ocupado, mas
não oferece soluções de como fazê-lo. Essa é
a principal lei a basear as ações do Ministé-
rio Público do Trabalho hoje emdia. “OMP-
TBA reconhece que existemmuitas barreiras
ainda na sociedade para essa inclusão, que
é preciso desenvolver valores de solidarieda-
de, de tolerância, de fraternidade e de acei-
tação da diversidade dentro e fora das em-
presas. Tudo isso é uma construção”, expõe
a procuradora, ao sugerir que os empresá-
rios contemcomoMinistério Público do Tra-
balho para essa orientação.
Flávia Vilas Boas lembra que outros ca-
minhos são tentar parcerias com o INSS e
visitar as instituições dedicadas às pesso-
as com deficiência, como a Associação dos
Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), o
Instituto de Cegos e a Associação Baiana
dos Deficientes Físicos (ABADEF), e que a
nova legislação vai facilitar isso. “Os empre-
sários poderão abrir as portas da empresa
para a reabilitação profissional e quiçá apro-
veitar essas pessoas posteriormente, já que
durante o processo a pessoa continua rece-
bendo benefício e não pode ter a carteira
assinada”, explica. “Tem muita gente que-
rendo e podendo trabalhar, por isso émuito
importante que haja essa articulação para a
inclusão”, encoraja ela.
profissionais especializados do próprio Judici-
ário passou a ser rotina dos juízes, segundo
Sadraque Oliveira Rios, Juiz de Direito. “Existe
uma preocupação crescente do Judiciário so-
bre o ato de julgar com segurança cada caso
emmatéria de Saúde. No ato de decidir sobre
conceder ou não uma liminar, cercamo-nos
de todos os cuidados legais e técnicos. Con-
sideramos a judicialização uma medida legal
para a proteção dos consumidores, mas en-
tendemos que ela deve ser considerada a últi-
ma instância para solucionar divergências en-
tre as partes. Antes da decisão, sempre com o
apoio técnico, buscamos a mediação e a con-
ciliação”, afirma.
Liminares
- As 1.390 operadoras de Planos
de Saúde Suplementar, que manejam, apro-
ximadamente, R$ 125 bilhões por ano, agra-
decem as ações adotadas a partir da Bahia,
pois, ano após ano, veem o número de ações
e o custo com o cumprimento das liminares
aumentarem de forma acelerada. Segundo
Cistina Teixeira Cardoso, coordenadora geral
do PLANSERV. O Plano de Assistência Médica
dos Servidores Públicos do Estado da Bahia
gasta, por mês, em média, R$ 4 milhões so-
mente para atender liminares, afirma.
Segundo Cristina, os gastos com limina-
res judiciais não estão previstos no orçamen-
to da operadora, por isso fica difícil incluir es-
ses custos no planejamento anual. “A judicia-
lização é um caminho, um recurso na defe-
sa dos pacientes, mas, do jeito que está, os
custos do PLANSERV sofrem um impacto ca-
da vez maior e logo não vai haver recurso su-
ficiente para dar conta desse aumento cons-
tante dos gastos com Saúde. A projeção para
os próximos quatro anos, se nada mudar, é
assustadora. Em 2009, registramos uma mé-
dia de 23 liminares por mensais; foram 74 li-
minares por mês em 2014, e este ano já es-
tamos com uma média de 77 ações mensais.
Ou seja, o número de liminares tem aumen-
tado exponencialmente, criando uma situa-
ção insustentável”, ressalta Cristina.
É consenso dos adeptos e dos críticos do
uso de liminares em Saúde que se não dimi-
nuirem essa corrida aos juízes para marcar ci-
rurgias, escolher o melhor hospital, no Brasil
ou no exterior, solicitar vagas em UTI, e mes-
mo conseguir determinado medicamento bá-
sico, o drama de todas as instituições envol-
vidas com a saúde pública e com a saúde su-
plementar vai continuar. E sem perspectiva
de um final feliz.
Dr. José Carlos de
Souza Abrahão,
presidente da ANS
ErikSalles/Ag.Atarde
Flávia Vilas Boas,
procuradora do Trabalho
“As pessoas com
deficiência são
muito capazes e,
como qualquer
outra pessoa,
dependem
dos estímulos
que venhama
receber para
desenvolver suas
potencialidades e
talentos. Todos nós
somos capazes para
algumas coisas e
para outras não”
2009
2014
2015
média de 23
liminares mensais
74 liminares mensais
média de 77
liminares mensais
NÚMERO DE
LIMINARES