Página 8 - Caderno Consci

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SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20/11/2014
8
ESPECIAL
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N
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G
R
A
A relação da ialorixá Valnísia
Pereira deOliveira comas crianças
é bem antiga – desde a época que
trabalhava como merendeira – e
foi fortalecida quando ela foi
consagrada ao orixá Ayrá. Isso
aconteceu no dia dedicado às
crianças, 12 de outubro.
Na filosofia e rituais das religiões
afro-brasileiras,
as crianças
têm papel importante, pois
representam a alegria e o futuro.
O candomblé, por exemplo,
celebra deuses-meninos, como
os santos gêmeos, quemudamde
nome de acordo com a tradição
do terreiro que os celebra.
É que o candomblé é dividido
pela língua que se usa nos cantos
e rezas. Essa divisão é chamada de
“nação”. Assim, tem a angola,
onde eles são chamados de vunji;
a jeje, em que os gêmeos são
hoho; e a ketu, dos orixás ibeji.
“Eles atuam como inter-
mediários. O inquice se expressa e
fala por meio do vunji. É a forma
que ele tem de chegar mais
próximo da gente e estabelecer
esse diálogo”, explica o tata de
inquice Anselmo Santos, que é o
líder espiritual
do terreiro
Mokambo.
Os santos meninos têm as
própriasdançasecomidaspreferidas
e sãomuito respeitados e festejados
nas religiões afro-brasileiras.
CORDA
Fundado no século 19, o Terreiro
do Cobre, situado no bairro do
Engenho Velho da Federação, é o
único, dentre os de tradição ketu
em Salvador, que preserva a festa
denominada “Corda de Ibeji”.
Ela foi criada pela ialorixá
Margarida de Xangô, que é
tataravó da atual líder religiosa do
Cobre, a ialorixá Valnízia Pereira de
Oliveira. “Não conheço outro
terreiro que realize o ritual de Ibeji
como se faz aqui”, conta a
sacerdotisa.
O ritual começa igual aos que
são feitos para os outros orixás. A
diferença é que, nesse dia, uma
corda que atravessa o teto do
barracão do terreiro é decorada
com frutas e doces.
Quando mãe Valnízia dá um
sinal, depois que ela e suas filhas
e filhos de santo dançaram
saudando todos os orixás, quem
está na festa pode tirar o que está
na corda. É uma grande correria
envolvendo crianças e adultos.
Por conta da ligação dos ibejis
com outros orixás como Xangô e
Oyá, considerados seus pais, tudo
é finalizado com o caruru, que
reúne as comidas relacionadas a
todas as divindades.
As contas, nome que se dá aos
colares que os religiosos de
candomblé usam no pescoço,
relacionadas aos gêmeos têm
todas as cores. O domingo é o dia
consagrado a eles.
“Osgêmeos sãoosmensageiros
da alegria. No meio da diversão
também alertam contra coisas
ruins e dão recados para ajudar as
pessoas a solucionar um pro-
blema ou até evitar que ele
aconteça”, conta o doté Amilton
Sacramento Costa, o líder do
Terreiro Kwe Vodun Zo.
As divindades infantis que têm
um importante papel para as
religiões de matriz africana
também são representadas pelos
erês. Eles preparam a volta da
consciência de quem estava
incorporando um orixá.
“O erê representa o santo em
sua divina ‘infância’. Por isso ele
possibilita o retorno mais leve do
mundo sagrado para este em que
vivemos. É por meio dele também
que são repassados aos
recém-iniciados no candomblé
conhecimentos, como as danças
dos santos”, explica o antropólogo
Ordep Serra.
CATOLICISMO
No encontro entre candomblé e
catolicismo, próprio de locais
como o Brasil, onde vários povos
de cultura diferente acabaram
vivendo juntos, a devoção aos
deuses-meninos se associou à dos
santos Cosme e Damião.
Oficialmente, os santos católicos
são adultos, mas acabaram
conhecidos como meninos.
“O culto aos gêmeos é muito
forte entre vários povos africanos
e contribuiu para dar à devoção
dos santos católicos a ligação com
a alegria”, afirma o antropólogo e
babalorixá Vilson Caetano, que é
líder do terreiro Ilê Obá L’Okê.
Quando Xangô, dono dos , ia comer amalá, sua
preferida, Exu, senhor do movimento, chegava em
e comia.
Os Ibejis, orixás meninos e filhos de Xangô, decidiram resolver a . Como são
, um deles se escondeu e o outro foi
com Exu e fizeram uma aposta: o menino ia
e Exu dançar. O que conseguisse fazer o outro cansar, ganhava.
Mas a partir daquele dia, Xangô passou a deixar um pouco de amalá para Exu.
Exu fechou os
para curtir a
e não viu os
trocando de lugar sempre que um
Puf
Arf
.
Resultado: os meninos ganharam a aposta. Só então apareceram juntos e Exu percebeu como eles eram
“Com elas a gente aprende
muito.
Mesmo com as
brincadeiras ou rebeldia, passam
ensinamentos, além de alegrar o
ambiente. Elas também são a
garantiada continuidadedanossa
religião”, afirma mãe Val, como
também é conhecida a líder do
SAGRADO
terreiro do Cobre.
Acadaano, a sacerdotisa renova
essa relação e promove um dia de
festa para crianças do Engenho
Velho da Federação no dia do seu
odun (aniversário de santo).
Além da distribuição de lanche
e brinquedos, a criançada
NO UNIVERSO DAS RELIGIÕES
AFRO-BRASILEIRAS SE DÁ
MUITA IMPORTÂNCIA ÀS
LIÇÕES QUE VÊM DAS
CRIANÇAS POR MEIO DOS
DEUSES-MENINOS
RELAÇÃO COM
O UNIVERSO
INFANTIL É
RENOVADA
A CADA ANO
MEIRE OLIVEIRA
repórter
aproveita o dia em equipamentos
como pula-pula, além de
participar de danças, jogos e
outras atividades. “A energia
desse terreiro sempre atraiu
crianças e me sinto bem perto
delas. A festa acaba sendo uma
terapia”, diz.
RESPOSTA
QUANDO XANGÔ, DONO DOS RAIOS, IA COMER AMALÁ, SUA COMIDA PREFERIDA, EXU, SENHOR DO MOVIMENTO, CHEGAVA PRIMEIRO E COMIA. OS IBEJIS, ORIXÁS MENINOS E FILHOS DE XANGÔ, DECIDIRAM RESOLVER A QUESTÃO. COMO SÃO GÊMEOS, UM DELES SE ESCONDEU E O OUTRO FOI CONVERSAR COM EXU E FIZERAM UMA APOSTA: O MENINO IA TOCAR E EXU DANÇAR. O QUE
CONSEGUISSE FAZER O OUTRO CANSAR, GANHAVA. EXU FECHOU OS OLHOS PARA CURTIR A MÚSICA E NÃO VIU OS GÊMEOS TROCANDO DE LUGAR SEMPRE QUE UM CANSAVA. RESULTADO: OS MENINOS GANHARAM A APOSTA. SÓ ENTÃO APARECERAM JUNTOS E EXU PERCEBEU COMO ELES ERAM ESPERTOS.
MAS A PARTIR DAQUELE DIA, XANGÔ PASSOU A DEIXAR UM POUCO DE AMALÁ PARA EXU.