Página 7 - Caderno Consci

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SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20/11/2014
ESPECIAL
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Pular o cipó na esperança de não
machucar as pernas; jogar pedras
para o alto e tentar pegar uma por
uma; se esconder atrás do canavial
e ficar por lá até ser o último a ser
encontrado e no final de tudo
enfrentar uma batalha entre dois
grupos divididos apenas por um
galho seco de árvore.
Era assim que os filhos de
africanos e os que foram se
tornando seus parentes no Brasil
se divertiam. Com o passar dos
anos essas brincadeiras ganha-
ram nomes como pula-corda,
capitão, esconde-esconde e cabo
de guerra.
Hoje,
as origens dessas
brincadeiras, que vieram de grupos
tão diversos que não dá para
estabelecer um só lugar de origem,
estão sendo recuperadas por
pesquisadores de universidades.
Esses estudos têm mostrado
que, na escravidão, a criatividade
era a única aliada da criançada
para poder brincar quando ainda
era muito pequena para trabalhar
sem descanso como seus pais.
De acordo com o historiador
Reginaldo Dias, as brincadeiras
das crianças negras eram, muitas
vezes, apenas a repetição das
tarefas dos adultos.
Os meninos e meninas
montavama diversão compoucos
objetos ou o que era descartado,
pois não tinham direitos a
brinquedos como os filhos da casa
grande.
“É possível perceber que, na sua
maioria, essas brincadeiras usam
apenas pedras, galhos de árvore ou
nada. Uma criançaeraadiversãoda
outra”, explica o especialista.
CRIATIVIDADE
A professora do Departamento de
História da Universidade Federal
da Bahia (Ufba) Graça Teixeira
conta, no artigo Brinquedos e
brincadeiras e a construção do
conhecimento ,que as crianças são
tão criativas que brincam com a
imaginação sem precisar segurar
uma boneca, por exemplo.
Era assim que as crianças
escravizadas faziam nos seus
momentos de diversão, o que
possibilitava soltar o pensamento
mesmo em uma situação muito
difícil.
Coordenadora pedagógica da
Escola Municipal Parque São
Cristóvão, a pedagoga Cláudia
Santos explica que ainda que
essas brincadeiras tenham sur-
gido de forma espontânea hoje
elas são usadas para ensinar as
meninas e meninos sobre muitas
coisas, como o modo de se
relacionar e as regras de
obediência.
“As crianças aprendemumpouco
da sua história, como os negros
escravizados divertiam e também
podem adquirir valores que
precisam cada vez mais ser
estimulados, como a solidariedade
e a colaboração”, diz a professora.
Ela afirma que outro lado
positivo dessas brincadeiras é que
elas sempre acontecememgrupo.
“O coletivo está sempre em
primeiro lugar”, completa.
JOGOS
INSPIRADAS NA CULTURA
AFRICANA, CRIANÇAS SE
DIVERTEM APRENDENDO
MAÍRA AZEVEDO
repórter
CANTO AJUDOU AÇÕES DE RESISTÊNCIA CONTRA A ESCRAVIDÃO
Se as brincadeiras surgiram
para que as crianças não atrapa-
lhassem o trabalho dos mais
velhos, as cantigas serviampara
aliviar os momentos de sofri-
mento e a saudade que os afri-
canos sentiam da sua terra
natal.
Mas elas também eram usadas
como resistência à escravidão por
meio do planejamento de fugas.
É o caso de “Escravo de Jó”, que é
entendida dessa forma pelo
historiador Reginaldo Dias.
“Eles não falavam o português
direito, e o iorubá, que foi um dos
idiomas dos africanos aqui es-
cravizados, não era compre-
endidopelos senhores. Então, eles
passavam o recado do plano por
meio da música”.
De acordo com o professor, Jó
pode ser a corruptela de João ou
de José, o nome do dono dos
escravos; caxangá era a mata
fechada.
Outra representação artística
domodelo social é o Nego Fugido,
que acontece em Santo Amaro.
Por meio de dança, música e
declamação de poemas, as fugas
de escravos são encenadas.
Alunos da Escola
Mãe Hilda, no
bairro da Liberdade,
brincam de “escravos
de Jó”
Estudantes da Escola
Parque São Cristóvão
usam a criatividade para
encontrar esconderijos no
jogo de esconde-esconde
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