Página 4 - Caderno Consci

Versão HTML básica

SALVADOR
QUINTA-FEIRA
20/11/2014
4
ESPECIAL
C
O
N
S
C
I
Ê
N
C
I
A
N
E
G
R
A
RENATA SANTANA,
14, Escola Municipal
Parque São Cristóvão
Comoéser criançapobredo interior?
É brincar no pé da mangueira; é
brincar no pé de goiaba ou no
bananal. Se jogar na terra do
quintal, brincar no mato e tomar
banho na caixa (um lugar cheio de
água); ter muitos amigos, porque
uma criança sem amigos é uma
criança triste, sem vida.
Andar de bicicleta na rua e
principalmente ter um pessoa que
se preocupa com você; uma pessoa
que gosta de você de verdade; uma
pessoa que te dá carinho e atenção.
Quem é essa pessoa? Sua mãe,
aquela que está sempre que você
precisa.
Do que adianta ter dinheiro, mas
não ter oprincipal queéuma família
do lado?Muitas mães ricas não dão
atenção para seus filhos e às vezes
nem falam com eles. Muitas mães
de baixa renda que eu conheço dão
carinho e atenção para os filhos.
Eu tenho orgulho de ser uma
criança negra. Mas antes eu não
gostava de ter nascido negra
porque minhas irmãs são todas
brancas de cabelo liso. Só depois
que eu vim de Santo Amaro morar
em Salvador e passei a estudar na
Escola Parque São Cristóvão que
passei a ter orgulho da minha cor e
não tenho vergonha de falar que eu
sou negra. Ser negra para mim é
como uma dádiva de Deus.
SER NEGRA
É MOTIVO
DE ORGULHO
Durante os séculos 15 e 19, por causa da escravidão, muitos negros foram
retirados do seu país de origem, no continente africano, e obrigados a
recomeçar a vida emterras desconhecidas para eles. Amaioria nuncamais
conseguiu retornar à sua terra natal e ali formaramnovos laços de família.
A língua que falavam, a religião que seguiam, as músicas e danças que
sabiam, dentre outros elementos, foram se misturando ao que
aprenderam nos países para onde foram levados. Essa mistura modificou
também os costumes dos povos que mandavam e viviam nos locais para
Eu acho muito bom ser uma criança brasileira em Moçambique. Nós
brincamos de jogar futebol, fazer educação física e de correr. Minha
professora é muito boa. Achei bom vir para um país onde a maioria
das pessoas é negra, porque eu também sou negro. No Brasil era
diferente, aqui tem muito mais pessoas da minha raça. No meu país
já me chamaram de negro de uma forma que não foi legal, rindo.
Acho que é preconceito. Eu tenho amigos aqui de Portugal, África do
Sul, Moçambique, Estados Unidos. Aqui também tem capoeira e a comida parece com a brasileira. Eu comi feijoada aqui.
Eu comi aqui matapa com caranguejo. É feita de caranguejo e da folha de uma árvore (mandioca), com leite de coco. No
começo eu pensava que só tinha moçambicanos na escola. Eu tenho um gato moçambicano. Ele se chama Blue, porque
ele tem os olhos azuis. É muito triste ver as pessoas que comem do lixo aqui, é triste ver que ficam na rua. Isto acontece
mais aqui que no Brasil. Eu ficaria muito feliz se todo mundo tivesse casa.
Dançar é amelhor coisa que temnaminha
vida. Quando eu danço, eu sinto uma
energia no meu corpo. Eu danço Galanga.
Eu sou de Chamanculo. Aprendi a dançar
comomeu chefe, a pessoa queme ensina.
Gosto de brincar e gosto de trabalhar. Eu
gosto de jogar futebol. A minha equipe é
o Ferroviário deMaputo. Émuito bom ficar
com os meus amigos.
Eu estou na oitava classe. É bom ser
criança porque eu sou livre. Eu
imagino que no Brasil talvez as
crianças sejam livres como eu, a
estudar, a brincar. É bom viver em
Moçambique. Talvez porque eu seja
daqui. Na escola, eu gosto de física,
biologia e química. Eu gostaria de
conhecer a Alemanha.
Ser uma criança emÁfrica é se sentir
à vontade. Ter amigas. Uma boa
amiga é quando podemos contar
com ela, estar com ela quando
precisar, a estudar, a brincar. As
crianças de Salvador da Bahia
deviam conhecer Moçambique. É
muito bom estar aqui. Eu também
queria conhecê-las para brincar.
LEONARA SANTANA,
9, Escola Municipal
Parque São Cristóvão
RELATO DE UMA
GAROTA MUITO
INTELIGENTE
Gosto de brincar, de correr e de
estudar. Também de praticar
esporte. Acho que eu tenho todos
os direitos. Minha escola é muito
boa. Eu amo muito minha escola.
As diretoras são lindas; as
professoras ensinam muito. Elas
ensinaram que África tem acento
no “a”.
Gosto quando falam da Bahia e
dos baianos, de acarajé e outras
coisas assim.
Ser criança é aproveitarmos esta
fase que estamos brincando com os
amigos. Gosto de brincar de boneca
e de saltar corda. Eu moro em
Hulene. Eu cresci aqui. Sou
moçambicana. Tudo aqui é bonito.
Os hospitais são bonitos e os
doutores são bons.
Eu tra
da cid
Bernar
causa
espera
Ser cri
qualid
família
govern
crianç
crianç
cumpri
Euacholegal viveraqui. Euestouconhecendo
um país que eu nem sabia que existia.
Quando cheguei, fiquei commedo de ir para
a escola. A primeira foi a Lirandzo (em
changana, língua daqui, quer dizer amor).
Tinha portugueses e moçambicanos
estudando juntos. Depois, começaram as
aulas na Escola Portuguesa. Naminha turma
também tem um italiano e um espanhol. As
meninas aqui também querem alisar o
cabelo. Não sei por que isso acontece, não
perguntei ainda. Os lugares aqui sãobonitos,
as pessoas são gentis. Não vejo muitas
semelhanças comoBrasil.Moçambique está
ficando com muitos prédios, mas tem
pessoas que não têm para onde ir. Aqui tem
malária. As pessoas passammais dificuldade
aqui do que no Brasil. A guerra geroumuitas
dificuldades. Algumas crianças precisam
trabalhar, no lugar de estudar. Tem pais que
mentem sobre as datas de nascimento dos
filhos para conseguir uma vaga. Aqui
também tem preconceito. Na escola falaram
queminha colegaé “umamulata feia”.Meus
amigos reagiram. Gosto das músicas e
danças nos casamentos. Moçambique tem
mais de 20 línguas africanas.
Moçambique
AMÓS FERNANDO ZACARIAS E RICARDO FONTES MENDES
EUA
RACHEL ELIZABETH HARDING
França
CHANTAL LEBEAU
AGRADECIMENTOS
ESTER ARTUR PONDJA,
13, MOÇAMBIQUE
CINTIA CHILUNDZO,
13, MOÇAMBIQUE
MATEUS DE AQUINO
MENDES (AO CENTRO),
9 ANOS, BRASILEIRO,
com os amigos
Manuel
(E)
e
Zidan
(D), Moçambique
FRANCISCO SOARES,
12, MOÇAMBIQUE
ALDA MATAVELE,
13 ANOS, MOÇAMBIQUE
BEATRIZ DE AQUINO MENDES,
16 ANOS, BRASILEIRA
NITO ESTÊVÃO,
7
ANOS, MOÇAMBIQUE