Página 177 - A&D_v23_n2_2011

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Elisabete Santos, Luiz Roberto Santos Moraes, RenataAlvarez Rossi
Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
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se instalam (com a devastação florestal e das matas
ciliares, alterações no curso dos rios e poluição pelo
uso intensivo de agrotóxicos, o que tem aprofun-
dado a situação de escassez). Em regiões como a
da Bacia Hidrográfica do Rio
Salitre, por exemplo, situada
no Polígono das Secas:
desde meados da
década de 1970,
estes recursos têm
sido monopoliza-
dos por irrigantes
do alto Salitre, com consequências negativas
para os pequenos e médios produtores do bai-
xo e médio Salitre. Os rios da bacia, que ou-
trora eram permanentes, estão cada vez mais
esgotados por técnicas inadequadas, tornando
as terras – abaixo das barragens construídas
com esse propósito – cada vez mais áridas, e
fazendo com que muitas comunidades fiquem
impedidas de plantar ou ainda tenham que
recorrer a carros-pipa para o abastecimento
humano (FIOCRUZ; FASE, 2013).
Contrasta com este cenário a pujança de ‘ilhas
de modernidade’ como, por exemplo, aquelas situa-
das no Projeto de Irrigação do Salitre. Este projeto,
de iniciativa do governo federal, viabiliza “uma boa
infraestrutura de transporte rodoviário e um aero-
porto aparelhado para o transporte de cargas para
escoamento da produção” [...]; além de toda a infra-
estrutura de irrigação, o empresário contará com o
apoio de centros de ensino, pesquisa e tecnologia”
(CONSÓRCIO SALITRE, 2013). Adiciona-se a essa
infraestrutura o acesso a financiamentos públicos
para implantação e expansão dos referidos empre-
endimentos que são destinados ao agronegócio.
Com uma área de 5.099 hectares (ha) destinados
à implantação da primeira etapa, o projeto desti-
nou cerca de 1.600 ha a 255 lotes de agricultores
familiares e o restante (3.499 ha) para 68 médias e
grandes empresas (PROJETO..., 2009).
É importante lembrar que, neste caso, se trata
de uma região semiárida na qual a escassez exige
um cuidadoso dimensionamento quanto à distribui-
ção do acesso e dos usos. A seca tem revelado
que ações estruturantes – como a construção de
sistemas de abastecimentos e adutoras – e alter-
nativas – como a construção
de cisternas – têm sido in-
suficientes para promover a
universalização do direito de
acesso à água. É certo que
os efeitos e impactos sociais
e econômicos da seca, bem
como os desafios para a uni-
versalização ao acesso à água na Bahia, deverão
ser objeto de reflexão e análises profundas.
Associado ao conflito de acesso à água no se-
miárido merece registro o embate travado ao longo
das últimas décadas em torno da privatização dos
serviços públicos de saneamento básico no país e,
particularmente, na Bahia. Datam dos anos 90, no
contexto do modelo neoliberal, as tentativas mais
recentes de privatização dos serviços de abasteci-
mento de água e de esgotamento sanitário presta-
dos pela Embasa. Em setembro de 1999, por meio
do BNDES e da Caixa Econômica Federal, foi dado
início ao processo de privatização de companhias
estaduais, como a Companhia Pernambucana de
Saneamento (Compesa) e a Companhia Espírito
Santense de Saneamento (Cesan), e, em dezembro
do mesmo ano, o governo da Bahia firmou contrato
similar visando à privatização da empresa estadual.
Na Bahia, visando facilitar a privatização dos servi-
ços públicos de saneamento básico, o governo do
estado alterou a Constituição Estadual e, de forma
açodada e sem nenhuma discussão ou consulta à
sociedade, enviou mensagem à Assembleia Legis-
lativa, na véspera do Natal de 1998, com projeto
de emenda constitucional, modificando 62 artigos,
sendo sete relacionados ao saneamento básico,
solicitando que a matéria fosse apreciada e apro-
vada em regime de urgência. O projeto foi aprovado
como formulado pelo governo, tendo sido a Emen-
da Constitucional n
o
07/1999 publicada no DOE em
19/01/1999.
Os efeitos e impactos sociais
e econômicos da seca, bem
como os desafios para a
universalização ao acesso à água
na Bahia, deverão ser objeto de
reflexão e análises profundas