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Água como direito e como mercadoria – os desafios da política
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Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
então Departamento de Hidráulica e Saneamento
da Escola Politécnica da Universidade Federal da
Bahia, desencadeou, no ano de 1999, o trabalho de
formação do Comitê do Rio
Salitre, criando as condições
para a adoção, no Estado, do
modelo de gestão instituído
pela Lei das Águas.
É nesse contexto das
divergências entre a tentativa
de um ‘caminho próprio’ e o sistema proposto pela
Lei das Águas que o estado da Bahia institui algu-
mas peças importantes do seu sistema de gestão
dos recursos hídricos. Em fevereiro de 2001, o go-
verno aprova a Política Estadual de Administração
dos Recursos Ambientais, por meio da Lei Estadu-
al nº 7.799, que institui a bacia hidrográfica como
unidade de planejamento. Em janeiro de 2002 é
aprovada a Lei nº 8.194, que dispõe sobre a cria-
ção do Fundo Estadual de Recursos Hídricos da
Bahia (Ferhba) e atribui à SRH a competência para
fomentar a organização dos organismos de bacias
hidrográficas. Esse arcabouço institucional institu-
ído nestes anos esteve voltado, sobretudo, para a
descentralização administrativa das águas. Às Re-
giões Administrativas da Água (RAA), às Casas de
Recursos Naturais (CRN) cabiam, tão somente, ar-
ticular e implementar ações definidas no âmbito de
um aparelho estatal centralizado. Apenas em 2005
e na tentativa de adequar-se a política nacional, o
governo do estado instituiu a Lei n
o
9.843/2005 que
institucionaliza os Comitês de Bacias Hidrográficas
no estado da Bahia.
O referido descompasso entre o modelo na-
cional de gestão das águas e o modelo instituído
na Bahia resolveu-se com a eleição, em 2006, do
Partido dos Trabalhadores. O estado, de forma
célere, aderiu ao modelo de comitês e, de 2006 a
2011, criou dez comitês de bacia
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sendo, finalmen-
te, inserido no contexto da Região Hidrográfica do
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Comitê da Bacia do Leste, Itapicuru, Recôncavo Norte, Paraguaçu,
dos rios Verde-Jacaré, Salitre, Corrente, Contas, Grande e ros baia-
nos do entorno do Lago de Sobradinho.
Atlântico Leste e da do Rio São Francisco (parte da
delimitação nacional das unidades de gestão das
águas), com uma condição qualificada como mé-
dia e moderada, em termos
de avanço na implementação
dos instrumentos de gestão
(ANA, 2012, p. 161).
Entretanto, a inserção do
estado no contexto da polí-
tica nacional das águas não
tem levado à efetiva incorporação da participação
da sociedade no âmbito dos comitês (a despeito da
mobilização desencadeada ao longo dos últimos
anos no processo de construção destas instâncias
no estado), como também no Cepram, que perdeu
a prerrogativa de deliberar sobre o licenciamento
de empreendimentos considerados poluidores.
Além disso, o poder do Comitê de Bacia Hidrográ-
fica de autorizar intervenções que impliquem o uso
das águas foi substituído pela Licença por Adesão e
Compromisso, para empreendimentos de pequeno
e médio porte – um cheque em branco para o polui-
dor. Tudo isso sob o argumento, em parte verdadei-
ro, de que é preciso tornar o sistema mais eficiente
e mais ágil.
Nesse contexto, é preciso se perguntar sobre
o impacto da implementação do referido sistema
no equacionamento dos impactos provocados pela
maior seca já registrada na história do estado e do
semiárido baiano. Mesmo com grandes perdas na
agroindústria – como soja e frutas –, comunidades
locais, pequenos proprietários e agricultores fami-
liares perdem o pouco que têm e carecem de água
até mesmo para consumo humano, sendo neces-
sário recorrer aos carros-pipa que tradicionalmente
marcaram o que se chamava “indústria da seca”,
além dos vale-cesta que dá acesso à alimentação.
Este cenário reacende conflitos pela água, colocan-
do em questão os impactos da produção agroin-
dustrial, seja pela concentração de insumos para a
produção (particularmente acesso à terra, à água
e ao financiamento público), seja pela degradação
que tais empreendimentos impõem às regiões onde
A inserção do estado no contexto
da política nacional das águas não
tem levado à efetiva incorporação
da participação da sociedade no
âmbito dos comitês