Página 171 - A&D_v23_n2_2011

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Elisabete Santos, Luiz Roberto Santos Moraes, RenataAlvarez Rossi
Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
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business owners.
” Ademais, “
government policies
such as taxation rates, or fiscal incentives for at-
tracting investment and business in a given location
(...)
” (WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAM-
ME, 2012, p. 16).
Mas afinal, é possível a
formação de um mercado
das águas no Brasil, uma
vez que a sua dominialidade
é pública? Essa é uma ques-
tão que reflete o conflito entre
a condição universal e econômica das águas e que
somente encontrará resposta no campo da política
e não no âmbito estritamente jurídico. A despeito
da ênfase da nossa Constituição Federal de 1988
no caráter público da propriedade da água, várias
têm sido as tentativas de flexibilizar a nossa legisla-
ção e, assim, viabilizar a formação de um mercado
brasileiro de ativos derivados da água (
waterbonds,
waterrights
)
1
. Ademais, a experiência internacional
tem demonstrado que a constituição de um merca-
do das águas, de certa forma, independe da domi-
nialidade da água da mesma forma que a mercan-
tilização da água independe da natureza pública ou
privada do agente prestador do serviço. Afinal,
this process is well under way in Latin America,
including some countries currently governed
by nominally left-of-thecentre political actors,
which demonstrates that the commodification
of water is largely autonomous from the public
1
A título de exemplo poderíamos citar o PL no 6.979/2002 cujo obje-
tivo seria regulamentar a cobrança e instituir um mercado de águas
no Brasil. Em seu Art. 20, o PL afirma a possibilidade de os usuá-
rios transacionarem seus direitos de uso dos recursos hídricos. O
arquivamento desse processo em janeiro de 2003 fundamentou-se
no parecer do deputado Fernando Gabeira que afirmou, de modo
enfático, que o “mercado das águas” proposto é incompatível com
o princípio de que as águas, no Brasil, se constituem em um bem
de domínio público da União e dos estados. Segundo Gabeira, “ao
se permitirem transações – isto é, compra e venda – de outorgas de
direito de uso de recursos hídricos, estar-se-á, na prática, permitindo
a propriedade privada da água”. Recorrendo à experiência chilena,
o deputado relembra que “o mercado de águas foi estabelecido no
Chile em meados da década de 1980, com as propriedades de fontes
de água escrituradas e livremente transacionadas, inclusive podendo
ser deixadas e havidas em herança. As notícias que temos são de que
essa situação tem criado sérios embaraços ao provimento de servi-
ços públicos de abastecimento de água e à otimização do uso dos
recursos hídricos”.
or private character of the agents in charge of
delivering these services (…) For instance, in
contemporary debates over water privatization
in Latin America there is often a reification of
the tension between ‘public’ and
‘private’ which tends to obscure
the fact that despite the apparent
contradictions between public and
private agents, overall both ‘sides’
may be fostering the advance and
consolidation of capitalist forms
of water management grounded on merely
formal and not substantive democratic gover-
nance and citizenship
(CASTRO, 2008, p. 12).
Isso significa que, a despeito das dificuldades de
natureza jurídica porventura existentes, é possível vi-
sualizar no horizonte iniciativas no sentido de flexibili-
zar a legislação, de modo a viabilizar a formação de
um mercado brasileiro de ativos derivados da água
(
waterbonds
,
waterrights
). Outro aspecto a ser dis-
cutido, diretamente relacionado com a condição de
bem econômico da água e as suas consequências
em relação à universalização do seu acesso, é a po-
lítica de saneamento básico em curso no país. Cada
vez mais, o capital avança na apropriação da presta-
ção dos serviços públicos de abastecimento de água
e de esgotamento sanitário, por meio de diversas for-
mas de ‘privatização’, como concessão dos serviços,
Parceria Público-Privadas (PPP), abertura do capital
de empresas estatais estaduais de abastecimento de
águas, com aquiescência do Estado brasileiro, tendo
as empresas privadas vinculadas à Associação Bra-
sileira das Concessionárias Privadas dos Serviços
Públicos de Água e Esgotos (Abcon) estabelecido
como meta para 2020 abastecer 30% da população
brasileira (atualmente elas atendem a quase 10%)
(BESSE, 2008).
Neste contexto, é preciso discutir o genérico dis-
curso de defesa do mercado como mecanismo de
regulação eficaz. Isso significa dizer que é preciso
discutir em que medida o controle e o uso da água
podem ser consumados no mercado, por meio de
compra e venda, oferta e procura, por meio de um
Várias têm sido as tentativas de
flexibilizar a nossa legislação e,
assim, viabilizar a formação de
um mercado brasileiro de ativos
derivados da água