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Água como direito e como mercadoria – os desafios da política
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Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
Recentemente, a ANA, agência reguladora vin-
culada ao Ministério de Meio Ambiente, realizou
campanhas de regularização de volumes outor-
gados visando à emissão
de boletos de cobrança na-
quelas bacias onde este ins-
trumento já se encontra em
implementação. De maneira
geral, o relatório produzido
pela agência sobre esta ação aponta a prática de
constituição de reserva hídrica por parte de usuá-
rios de água interessados em garantir a segurança
da disponibilidade desta para os seus empreendi-
mentos (ANA, 2012). Essa prática ocorre através
da solicitação de outorgas de vazões acima da
necessidade real, prática que, segundo o relatório,
impede o bom planejamento da gestão das águas
e distribuição dos usos ao longo da bacia, inclusive
para outros usuários na instalação de novos empre-
endimentos. Segundo a ANA, com a implantação
da cobrança pelo uso das águas:
os usuários avaliam mais racionalmente a
necessidade de utilização de recursos hídri-
cos. Assim, os usos declarados tendem a um
patamar mais real e aceitável. Entretanto,
ressalta-se que não se pode atribuir a esta
alteração como uma redução real dos volu-
mes captados, e sim a uma adequação das
outorgas aos usos reais (ANA, 2012, p. 34).
Como conclusão, o relatório aponta que a co-
brança não levou à redução da captação de águas,
mas tão somente ao redimensionamento do total
outorgado. Vale ainda registrar que o argumento
minimalista de que o uso dos instrumentos econô-
micos torna dispensável a forte presença do Estado
não se tem verificado, contando a gestão das águas
com forte intervenção estatal na regulação das
concessões de direitos de uso, evidenciando que
mesmo a adoção de instrumentos econômicos não
descarta a necessidade de intervenção do Estado,
diante de uma regulamentação das águas que co-
loca em permanente tensão padrões ambientais e
imperativos de mercado (SWYNGEDOUW, 2004).
Finalmente, deve-se acreditar na inevitabilida-
de da falta de capacidade do Estado em promover
ações de comando e controle eficientes. Como,
então, apostar e defender
um Estado forte, cujas insti-
tuições sejam efetivamente
atuantes na promoção de
políticas públicas inclusivas
e distributivas? Até mesmo
o Banco Mundial, que financia, em larga escala, a
política da cobrança e constituição de mercados
de água, tem apresentado algumas ponderações,
particularmente no que diz respeito ao acirramen-
to da exclusão social provocada pela adoção dos
referidos mecanismos. O atual cenário de crise
econômica coloca algumas dificuldades na concre-
tização dos negócios em torno das águas. Como
ressalta a UNESCO, “
raising commercial finance for
water has become more difficult due to the global
financial situation since 2007
” e essa situação tem
afetado notadamente a América Latina. Essa crise
have discouraged new private interest in water in-
frastructure projects, and has unsettled partners in
existing private public partnership (PPP) ventures
(WORLD WATER ASSESSMENT PROGRAMME,
2012, p. 16).
Segundo a UNESCO, é preciso avaliar com se-
gurança os riscos de não retorno do investimento, o
que significa hoje rever padrões tecnológicos, me-
canismos mais eficientes de recuperação de cus-
tos, além do subsídio, ou seja, no contexto de crise
é preciso avaliar com mais segurança os riscos e as
incertezas que envolvem o investimento nas águas.
Uma forma de reduzir o risco e a incerteza, segundo
o referido documento, é fazer com que tais decisões
sejam “
uniquely motivated by the financial bottom
line
”. A dimensão econômica da água fica explicita-
da quando o referido documento afirma que “
tools
such as the proper pricing and valuation of water
resources can drive business decisions, particularly
when water is a key input in production. They can
also help to highlight trade-offs, costs and benefits/
co-benefits that would otherwise not be apparent to
O atual cenário de crise econômica
coloca algumas dificuldades na
concretização dos negócios em
torno das águas