Página 169 - A&D_v23_n2_2011

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Elisabete Santos, Luiz Roberto Santos Moraes, RenataAlvarez Rossi
Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
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que se está diante da constituição de uma indús-
tria oligopolizada da água, que envolve interesses
transnacionais, com a forte presença de atores
como a Veolia e Suez (que controlam 70% do mer-
cado global da água privati-
zada) e Bouygues (França),
RWE (Alemanha), American
Water Works (EUA), Anglican
Water Group, Severn Trent
Kelda Group e United Utilities
(Reino Unido), em permanen-
te disputa por novos mercados (SWYNGEDOUW,
2004), sobretudo nos países da periferia do capita-
lismo, onde a universalização do acesso à água ain-
da se mantém como uma promessa não cumprida.
A atribuição de valor econômico à água é uma
sempre problemática. Não se está falando de petró-
leo ou celulares, mas de um bem vital e de direitos
universais – ou será que esse conceito, definitiva-
mente, entrou em desuso em tempos de flexibili-
zação produtiva? A água é sim um bem dotado de
valor. Mas, em primeiro lugar, deve-se ressaltar o
seu valor vital, social, ambiental e cultural para, em
seguida, ser verificado o seu valor econômico, o seu
custo marginal. Caso contrário, seria o princípio da
subordinação da sociedade ao mercado – quando,
ao contrário, deveria ser a sociedade a determinar
quais aspectos da vida devem ser regidos por essa
lógica. Esse mesmo princípio, de natureza ética e
política, já abandonado no tratamento dado ao uso e
controle da terra, deveria ser aplicado às florestas, à
biodiversidade e à sociodiversidade, como também
às conquistas no campo da engenharia genética.
A história recente tem demonstrado que a utili-
zação de instrumentos econômicos na gestão das
águas é eivada de controvérsia, exatamente por
implicar, a médio e longo prazo, uma barreira à uni-
versalização do acesso à água. Trata-se, então, de
discutir o significado da radicalização de um dos
princípios fundantes da modernidade, qual seja: a
mercantilização da relação sociedade e natureza, a
conversão de bens sociais e naturais em mercado-
ria. Pode-se arguir contra esse tipo de consideração
que a implementação de instrumentos econômicos
no âmbito da gestão não implica necessariamente
a criação de um mercado das águas e que, cada
vez mais, há um distancimento do discurso radical
antimercado, em busca de
formas inovadoras de articu-
lação de aspectos positivos
da gestão pública e da ges-
tão privada, em um processo
de aprendizagem mútua no
qual todos os lados ganham.
São inúmeros os exemplos de insucesso ou su-
cesso parcial da aplicação de instrumentos econô-
micos na gestão das águas – existem, aliás, exem-
plos para todos os gostos. Segundo Castro (2007),
a privatização dos serviços públicos de distribuição
de água e esgotos na Europa – de onde se impor-
tam modelos – gerou altos índices de inadimplência
e de corte do serviço, tornando-se necessário re-
ver os mecanismos de cobrança e de regulação. As
iniciativas de privatização dos serviços públicos de
abastecimento de água, a utilização de instrumentos
econômicos e a constituição de mercados das águas
em países capitalistas periféricos geraram conflitos
ainda mais profundos, tendo levado a uma maior ên-
fase na recuperação dos custos e menor ênfase nos
aspectos mais especificamente ambientais, a cons-
tituição de um instrumento de guerra fiscal entre es-
tados e municípios e a estratificação do acesso aos
serviços públicos de saneamento ambiental. O argu-
mento de que a arrecadação proveniente da cobran-
ça da água seria capaz de fazer frente à demanda
pela recuperação ambiental também se apresenta
frágil. Um exemplo próximo, o da Bacia do Rio Para-
íba do Sul, é bastante ilustrativo: estudos realizados
indicam o quão irrisória pode ser a arrecadação com
a cobrança da água diante do porte dos investimen-
tos necessários para a recuperação da bacia. Além
disso, os maiores valores arrecadados são prove-
nientes de grandes empreendimentos, o que leva a
uma dependência do financiamento da gestão por
setores intensivos na utilização da água, como o se-
tor agroexportador e de produção de energia.
A atribuição de valor econômico à
água é uma sempre problemática.
Não se está falando de petróleo ou
celulares, mas de um bem vital e
de direitos universais