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Água como direito e como mercadoria – os desafios da política
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Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
a pagarem por ela. Tem-se, ainda, o argumento
de que esse seria o caminho necessário à amplia-
ção de investimentos na área de recursos hídricos
contribuindo, inclusive, com
programas de melhoria da
qualidade ambiental.
O fato é que a cobrança
da água seria, assim, con-
siderada como uma medida
necessária ao combate ao
desperdício e à escassez e à
ampliação de investimentos. A despeito da varieda-
de de argumentos utilizados, em geral arrolados de
forma conjunta, parte-se do pressuposto de que a
atribuição de valor econômico a um bem torna sua
regulação mais eficaz. Esse argumento, estranha-
mente, tem unificado segmentos do movimento am-
bientalista (originalmente críticos do sistema), como
também os defensores do livre mercado.
Fundamenta essa nova economia política da
água a teoria neoclássica da sustentabilidade que
constitui uma ‘economia da poluição’
e uma ‘eco-
nomia das riquezas naturais’. A primeira parte do
princípio de que o uso privado do bem público pode
gerar benefícios como também custos a terceiros,
que são socialmente externalizados – a poluição é,
então, compreendida como uma externalidade ne-
gativa, falha do mercado ou resultado da impossibi-
lidade de atingir o ‘ótimo’ social. Os instrumentos de
gestão constituem-se, assim, em mecanismos de
internalização dos custos ambientais nos cálculos
dos agentes geradores da externalidade, fazendo
com que se atinja um nível ‘ótimo’ de poluição. A
economia das riquezas naturais, fundada na teoria
neoclássica do valor e em uma ética utilitarista-indi-
vidualista, considera ser o bem-estar coletivo resul-
tado da maximização das utilidades individuais e da
valoração dos bens ambientais. A sustentabilidade
é, assim, compreendida como otimalidade (resulta-
do da maximização das preferências individuais),
como fruto da incorporação no processo produtivo
das externalidades ambientais – do equacionamen-
to das assimetrias entre custos privados e danos
sociais. Entre os recursos a garantir a consecução
de tais objetivos estão a atribuição de valor de troca
aos recursos ambientais e a sua materialização em
preço – posição amplamente
defendida pelas estratégias e
políticas de órgãos de regula-
ção e de fomento internacio-
nais (NOBRE, 2004). Um ins-
tigante exemplo dessa nova
economia é apresentado por
Addams (2009), quando este
se refere à necessidade de se construir uma visão
integrada das águas, da incorporação de
stakehol-
ders
na sua gestão e à necessidade de investimen-
to para o setor:
As a key tool to support decision-making,
this study developed a “water-marginal cost
curve”, which provides a microeconomic
analysis of the cost and potential of a range of
existing technical measures to close the pro-
jected gap between demand and supply in a
basin (...)
(ADDAM et al. 2009, p. 14).
O processo de institucionalização da problemá-
tica ambiental nas últimas décadas ocorreu sob tal
discurso, de inspiração (neo) liberal que se fez he-
gemônico com o cumprimento da pauta da globali-
zação, com a abertura, a flexibilização e a liberali-
zação de mercados e legislações, sendo a Rio 92
um importante ponto de inflexão nesse processo. Na
verdade, a vitória política da vertente econômica, de
modo enfático, busca conciliar desenvolvimento ca-
pitalista com o discurso da preservação ambiental.
A despeito da boa intenção que, às vezes, funda-
menta tais discursos, é preciso destacar o contexto
econômico e político no qual eles estão sendo pro-
duzidos. Não se trata aqui de questionar a justeza
da atribuição de valor econômico à água, uma vez
que ela também se constitui em insumo produtivo,
como também de estabelecer uma ingênua contra-
posição entre o Estado burocrático (instrumentos de
comando e controle) e o Estado gerencial (instru-
mentos econômicos) – sabe-se que a discussão é
bem mais ampla e estrutural. É preciso reconhecer
A economia das riquezas naturais
[...] considera ser o bem-estar
coletivo resultado da maximização
das utilidades individuais
e da valoração dos bens
ambientais