Página 167 - A&D_v23_n2_2011

Versão HTML básica

Elisabete Santos, Luiz Roberto Santos Moraes, RenataAlvarez Rossi
Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
441
princípio do agente-usuário-pagador e usuário-polui-
dor, introduzindo taxas de emissão e por produto, co-
brança pelos usos, licenças intercambiáveis, dentre
outros instrumentos econômicos, cujos objetivos são
o combate da degradação, o
estímulo à melhoria da qua-
lidade ambiental e também
a criação de um mercado no
qual são negociados recursos escassos – condição
indispensável à constituição de uma economia de
mercado. No contexto de reestruturação produtiva,
de flexibilização da economia e de mudança no pa-
drão de regulação dos recursos ambientais é que a
água passa a adquirir valor econômico. Mas, afinal,
o que significa conferir valor econômico à água? Sig-
nifica dizer que, no atual quadro de escassez, a água
passa a ter, cada vez mais, não apenas valor de uso,
mas valor de troca, sendo um recurso estratégico
nos processos de acumulação.
Mas, afinal, a água sempre foi vendida, trocada.
Do que exatamente se está falando quando o as-
sunto é a transformação em
commodity
, em
com-
modification
das águas, ao que a UNESCO se refe-
re, no
World Water Assessment Programme
(2012),
com o conceito de
commodity goods
ou a noção de
water-marginal cost curve,
de
Charting Our Water
Future - Economic Frameworks to Inform Decision-
-Making
(ADDAMS, 2009)
,
de representantes de
grandes corporações internacionais? Como afirma
Esteban Castro, não é possível abordar o processo
de mercantilização da água nos mesmos termos do
petróleo, por exemplo:
However, even in a broad sense, the concept
of commodity originally defined by Marx as
the articulation of use value and exchange
value in the generalized production of social
use values that characterizes the capitalist
mode of production (Marx, 1974: 48), strictly
speaking would only be applicable to a rela-
tively restricted universe of freshwater uses
(CASTRO, 2013, p. 4).
Como afirma o referido autor, é preciso distin-
guir conceitualmente a troca, em seu sentido mais
amplo, e a particular forma de troca fundada na
racionalidade capitalista. Nesse caso especifico,
se está diante de um conjunto de relações sociais,
de produção e de troca tipicamente capitalista, e a
água, na condição de objeto
de consumo, que atende às
necessidades individuais e
coletivas (particularmente ao
abastecimento e ao saneamento) ou na condição
de insumo produtivo, passa a ser objeto de lucro
e de acumulação. Nesse sentido, aprofunda-se a
conversão da água em capital, ainda que em con-
textos nos quais não exista a adequada relação en-
tre mercantilização, direito de propriedade e racio-
nalização capitalista (CASTRO, 2013).
A Lei das Águas brasileira, Lei nº 9.433/1997, é
um paradigma na mudança do padrão de regulação
dos recursos ambientais no Brasil. Ela reafirma o
princípio constitucional de que a água é um bem
público, mas também consagra a posição afirma-
da em muitos documentos internacionais de que a
água é também um bem dotado de valor econômi-
co. A atribuição de valor econômico às águas pode
ter múltiplos significados, e vários são os argumen-
tos que a justificam. Quando se traduz em cobran-
ça pelo consumo ou taxação da degradação, pode
significar, por exemplo, que conduzirá a usos mais
racionais, a uma certa parcimônia no seu uso ou
abuso, fazendo valer o velho ditado de que “quando
pesa no bolso, pesa na consciência”. O contraditório
neste discurso é que, como afirma Martins (2003),
a elevação do preço da água até o ponto de inibir a
atividade poluidora ou estimular a readequação de
métodos de uso – que implica custos para a produ-
ção das firmas – dissolve o pressuposto da escolha
livre e racional do agente, pressuposto do princípio
do usuário poluidor-pagador. Tal medida, voltada à
inibição do uso perdulário e da degradação, é típica
dos instrumentos de comando e controle, aos quais
os instrumentos econômicos vieram se somar ou
substituir (MARTINS, 2003). Ademais, a cobrança
da água bruta seria ainda capaz de fazer justiça
social, uma vez que obrigaria agentes econômicos
Mas, afinal, o que significa
conferir valor econômico à água?