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Água como direito e como mercadoria – os desafios da política
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Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
sobretudo nos centros urbanos, cerca de um bilhão
de pessoas não têm acesso a fontes tratadas de
água potável, e 2,6 bilhões de pessoas não dis-
põem de serviços de sane-
amento de qualidade, o que
traz sérias consequências
do ponto de vista da saúde
pública (WORLD WATER
ASSESSMENT PROGRAM-
ME, 2012, p. 95). No WWAP,
a UNESCO registra que:
approximately 3.5 million deaths related to
inadequate water supply, sanitation and hy-
giene occur each year, predominantly in
developing countries (WHO, 2008a) (...).
Diarrhoeal diseases, often related to contami-
nated drinking water, are estimated to cause
the death of more than 1.5 million children
under the age of five per year (BLACK et
al., 2010). The MDGs state that waterborne
diseases related to unsafe drinking water su-
pplies represent one of the major threats to
the world’s vulnerable poor
(WORLD WATER
ASSESSMENT PROGRAMME, 2012, p. 96).
A importância da água para a qualidade de vida
e também para o desenvolvimento é reiteradamente
reconhecida em WWAP: “
it must be understood
that water is a natural resource upon which all so-
cial and economic activities and ecosystem func-
tions depend
” (WORLD WATER ASSESSMENT
PROGRAMME, 2012, p. 21). O referido documento
chega a prever o aumento das disparidades econô-
micas entre países, regiões e setores em função da
escassez das águas.
A configuração da problemática das águas e da
crise ambiental, principalmente nas grandes cida-
des, conduziu a críticas mais ou menos radicais ao
próprio modelo de desenvolvimento em curso, com
resultados distintos, particularmente em relação às
políticas públicas. Ao longo das últimas quatro dé-
cadas do século passado, o debate em torno de
questões ambientais colocou em campos teóricos,
políticos e ideológicos distintos o Estado, o mercado
e a sociedade civil. Ainda que sob a denominação
de ‘ambientalistas’ estivesse abrigado um amplo
leque de alternativas e projetos políticos, dos ‘ver-
melhos’ aos ‘’, nas referidas
décadas, pelos menos para
aqueles que assumem uma
posição mais crítica em rela-
ção à lógica de acumulação
capitalista, existia uma clara
contraposição entre econo-
mia e ambiente. A noção de escassez mobilizava
a militância e fundamentava a crítica às relações
predatórias entre sociedade e natureza. Tratava-se
de um período no qual o pacto fordista-keynesiano,
além de assegurar a infraestrutura necessária à re-
produção ampliada do capital, responsabilizava-se
pela criação das condições mínimas de reprodução
da força de trabalho. Tanto que, segundo estudos
realizados por Esteban Castro, com base nas expe-
riências europeia e norte-americana, revelam que
a universalização dos serviços de água e sanea-
mento tornou-se possível no referido período com
o investimento do Estado (CASTRO, 2007).
Durante muito tempo, a água foi qualificada
como um bem livre e renovável, à qual todos teriam
acesso e igual direito – como em tempos imemo-
riais tinham sido as florestas e as terras. No âmbito
da crise dos anos 70, a pressão dos movimentos
sociais sobre o Estado e o mercado fez com que
estes passassem a ter uma atitude mais vigilante
no combate à degradação ambiental, dando início
ao processo de institucionalização da problemática
ambiental, qualificada até então como externalida-
de do processo produtivo. Como o relatório do Clu-
be de Roma já sugeria nos anos 70, a escassez de
recursos ambientais, associada ao custo da força
de trabalho, pode comprometer as condições de
reprodução do próprio sistema.
No contexto da referida crise e na passagem do
milênio, o capitalismo globalizado mudou a forma
de configuração da problemática ambiental e das
águas, mudou o Estado e mudou também o movi-
mento social. A nova forma de regulação institui o
A escassez de recursos
ambientais, associada ao custo
da força de trabalho, pode
comprometer as condições de
reprodução do próprio sistema