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Cobrança pelo uso da água e sustentabilidade da gestão de bacias hidrográficas: uma proposta paraa Bacia do
Rio São Francisco
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Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.397-408, abr./jun. 2013
sejam suficientes para o financiamento presen-
te e futuro das obrigações do sistema;
b) princípio usuário-pagador: os usuários devem
pagar o equivalente ao custo que o seu uso im-
põe à sociedade. Estes custos podem relacio-
nar-se com aspectos qualitativos ou quantitati-
vos decorrentes da presença do usuário. Esse
critério inclui, mas não se limita ao custo impos-
to pelo lançamento de efluentes. Logo, a limita-
ção desse conceito ao critério poluidor-pagador
desconsidera as demais formas de interferência
do usuário na bacia.
Adicionalmente, para o sucesso da implemen-
tação da cobrança, esta deve se apresentar de for-
ma simples, transparente e prognóstica, isto é, deve
ser de fácil entendimento, permitindo entender, de
forma clara, como todos os grupos usuários partici-
pam do processo, e também ser passível de replica-
ção para antecipação e planejamento dos usuários.
Ainda no que concerne à estrutura da cobrança,
esta deve estar integrada aos objetivos estabeleci-
dos e hierarquizados pelos decisores, bem como é
imperativa sua articulação em conjunto com os de-
mais instrumentos de gestão. Não se trata apenas
de estabelecer um preço unitário e aplicá-lo sobre
o volume hídrico demandado pelo usuário para a
obtenção de um montante qualquer. A cobrança
deve viabilizar a condução do sistema de recursos
hídricos ao encontro das metas estabelecidas. Des-
sa afirmação depreende-se que: 1) a cobrança não
pode funcionar de forma eficiente se for isolada dos
demais instrumentos de gestão; 2) a funcionalidade
da cobrança está vinculada aos objetivos que de-
vem ser previamente definidos para esta.
No Brasil, antes mesmo da primeira experiência
de cobrança com base nos critérios da Lei 9.433/97,
alguns pesquisadores apresentaram propostas fun-
damentadas em princípios microeconômicos de
eficiência com objetivos de financiamento do pro-
cesso de gestão, estímulo ao uso racional e mitiga-
ção das externalidades (CARRERA-FERNANDEZ;
GARRIDO, 2001, 2002; MOTTA, 2006; RIBEIRO;
LANNA; PEREIRA, 1999). Todavia, a modelagem
matemática das metodologias de otimização pro-
postas pelos autores requer um nível de conheci-
mento não trivial das teorias econômicas, o que
certamente desencoraja a sua aprovação pelos
decisores. Disto decorre também a constatação de
que os modelos apresentados não atendem às ca-
racterísticas de simplicidade, transparência e prog-
nosticidade, conforme indicado pela ONU.
É correto afirmar que a inexistência de mercados
formais e, consequentemente, os preços para os
recursos naturais em geral implicam no desenvol-
vimento de técnicas especiais para a identificação
destes. Nesse contexto, os esforços para obtenção
de métricas de preços unitários ou preços totais
mais adequados que considerem as especificida-
des regionais estão longe de se esgotar, devendo
ser permanentemente observado que a cobrança
atenda aos critérios básicos estabelecidos, dentre
os quais, a sustentabilidade, para a qual é apresen-
tada uma proposta metodológica na próxima seção.
SUSTENTABILIDADE TÉCNICO-FINANCEIRA
DA GESTÃO
O entendimento do conceito de sustentabilida-
de baseia-se na independência dos decisores da
bacia
1
(comitê e agência) em relação ao suporte
financeiro de longo prazo. Na implantação do pro-
cesso de gestão, considerando-se os diferentes
níveis de degradação das bacias hidrográficas, a
interpretação equivocada desse critério pode criar
conflitos entre os vultosos recursos inicialmente
necessários e a capacidade de pagamento dos
1
De forma geral, os decisores não se restringem aos usuários diretos
do recurso hídrico. No Brasil, no âmbito da bacia, são os comitês os
órgãos colegiados da gestão, com poderes normativo, consultivo e
deliberativo. Seus integrantes são usuários, representantes da so-
ciedade civil e representantes governamentais das diversas esferas.
Entretanto, no entendimento mais comum, o termo mais amplo “ór-
gão gestor” é reservado às instituições públicas federais e estaduais,
tais como a Agência Nacional de Águas (ANA) e o Instituto do Meio
Ambiente e Recursos Hídricos da Bahia (Inema-BA). No presente tra-
balho, ambos os termos, decisores e gestores, serão tratados como
substitutos, com a devida indicação de distinção na hierarquia gover-
namental quando necessário.