Página 181 - A&D_v23_n2_2011

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Elisabete Santos, Luiz Roberto Santos Moraes, RenataAlvarez Rossi
Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.437-459, abr./jun. 2013
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sanitários e a rede de águas pluviais. Como explicar,
então, a constatação de que o comprometimento da
qualidade das águas doces e salgadas resulta do
lançamento de esgotos sanitários domésticos nos
rios? O acesso à rede não sig-
nifica o acesso a um serviço
de qualidade, uma vez que a
rede coletora pode não estar
sendo operada de forma ade-
quada ou não estar conduzin-
do o esgoto gerado para uma
estação de condicionamento
prévio antes do lançamento
no mar por meio de sistema de disposição oceânica
ou lançado
in natura
em um córrego ou rio ou mar.
A análise da realidade intraurbana de Salvador
revela o quanto é diferenciado o acesso ao serviço
público de esgotamento sanitário pelos moradores
situados nas distintas faixas de renda e padrão de
urbanização. A titulo de exemplo, os bairros que
apresentam os maiores índices de acesso ao ser-
viço público de esgotamento sanitário são: Amara-
lina (100,00%), Itaigara (99,97%), Roma (99,91%),
Caminho de Areia (99,90), Resgate (99,87%) Boa
Viagem (99,84%), Rio Vermelho (99,81%), Saúde
(99,81%), Vitória (99,79%), Barra (99,77%), Ribeira
(99,77%), Engenho Velho da Federação (99,74%),
Barris (99,58%), Acupe (99,57%), Imbuí (99,55%),
Caminho das Árvores (99,55%), Mares (99,54%),
Pituba (99,47%) e Stiep (99,45%). Os menores
índices de acesso são: as ilhas pertencentes ao
município (Frades – 3,20%; Maré – 9,61% e Bom
Jesus dos Passos – 34,67%); os bairros de Areia
Branca (13,62%), Nova Esperança (37,39%), Reti-
ro (40,22%), Valéria (46,93%), Palestina (47,80%),
Cassange (47,94%) (IBGE, 2012).
Esses dados se tornam mais elucidativos quan-
do se estabelece uma correlação entre o acesso à
rede de esgotamento sanitário e ao serviço público
de coleta de resíduos sólidos domiciliares. Segun-
do o Censo 2010, 96,85% dos domicílios particula-
res permanentes têm acesso ao serviço de coleta.
Entretanto, quando desagregados esses dados,
constata-se que 61,23% têm o lixo coletado pelo
serviço de limpeza na porta e 35,42% despejam o
lixo em caixa estacionária/caçamba (IBGE, 2012).
Quando se analisao referido serviço por bairro
e padrão de renda, o quadro
anteriormente descrito em
relação ao acesso à rede se
reproduz. Em sua maioria,
são os bairros de urbaniza-
ção mais antiga, consolidados
e ocupados pela população
situada nas faixas de renda
intermediária e alta que tem
acesso à coleta regular de lixo na porta, sendo os
bairros ocupados pela população situada nas meno-
res faixas de renda e localizada na periferia os mais
prejudicados – o que revela a dimensão da estratifica-
ção socioespacial do acesso aos referidos serviços.
O fato é que a não universalização do acesso ao
serviço público de esgotamento sanitário, associa-
da à pobreza urbana, leva um conjunto considerável
da população a não poder arcar com os custos de
alimentação, saúde, educação, transporte e mora-
dia – inclusive com o custo da água, da energia e,
particularmente, do esgoto. São frequentes as de-
clarações da população situada nas menores faixas
de renda que atestam a dificuldade de fazer frente
ao conjunto dessas obrigações financeiras (SAN-
TOS et al., 2010). É isso que explica o fato de os
moradores se recusarem a conectar o seu imóvel à
rede coletora de esgotamento sanitário que passa
na sua porta. É quase um truísmo a afirmação de
que as águas estão associadas à noção de risco e
que a qualidade de vida em Salvador depende da
gestão ambientalmente correta das águas.
É preciso registrar, ainda, que em Salvador as
águas não são apenas um problema ambiental ou
uma promessa de desenvolvimento – e nisto reside
sua peculiaridade. As águas são também substrato
de um conjunto de práticas culturais e religiosas,
particularmente do candomblé, para o qual os ele-
mentos da natureza são de fundamental importân-
cia. Apesar de os modos sociais de uso e gestão
A análise da realidade intraurbana
de Salvador revela o quanto é
diferenciado o acesso ao serviço
público de esgotamento sanitário
pelos moradores situados nas
distintas faixas de renda e padrão
de urbanização